29/11/2008

O presépio

Longe vão os Dezembros… Num desafio de corrida, eu e os “meus amigos”, apetrechados com sachos e velhas facas rombas nos sacos, percorríamos os olivais até às matas à procura do melhor musgo (alto, viçoso, compacto e fofo) para o presépio. Havia entusiasmo e euforia logo nas primeiras combinações e, ainda mais, no passeio. Pelos carreiros e “caminhos de cabras”, partíamos determinados à descoberta dos melhores locais do nosso tesouro verde que, com mais olhos do que o espaço em casa, sempre nos sobrava.
O pinheiro, já cortado, tivera outros heróis. Alguém “mais velho” comandara a trupe por atalhos menos frequentados. Havia que ter cuidado e não sermos apanhados pelo dono ou alguém de guarda ao pinhal. Cada um escolhia o pinheiro do seu agrado e, pela socapa, a serrote e machado era cortado e levado de arrasto pelo tronco.
Bugalhos e bolas de papel embrulhados, em “pratas” coloridas - dos chocolates e dos maços de cigarros –, guardadas ao longo do ano dentro de livros, faziam parte da decoração do pinheiro de Natal. O seu efeito, embora de luz e cores menos vistosos, era para nós tão luminoso e igualmente mágico, como as lâmpadas e “bolas” de enfeitar, vendidas nas lojas e centros comerciais. Mais valor e brilho tinha o orgulho de as termos feito.
Num canto do chão da sala; sobre um tampo de madeira, platex ou cartão; sob o pinheiro, erguia-se o majestoso cenário. O improviso e imaginação projectavam montes, lagos espelhados e vales. Construíamos o estábulo com paus, cacos, caruma, palha e… sei lá que mais. As figuras tradicionais, pintadas sobre o barro cozido, tinham formas e cores dignas e colocadas nos seus lugares com papéis bem definidos. A neve de algodão; a água de espelhos; figurantes de cartão; bonecos de outra nação.
Uma estrela dourada orientava os Reis Magos ao seu destino, no trajecto que queríamos. Quando chegasse o momento, eles apareceriam e cada dia mais próximos do Menino. De terra e areia se faziam os caminhos. Aquele pedaço de chão verdejante era o Mundo, era Belém. Aquelas figuras de cartão e barro eram o Mundo, eram alguém.
O Menino cresceu e nós também. Alguém viu uma estrela? Onde estarão os Reis Magos? Dezembro está a chegar. Outros caminhos fazem o Mundo. Este pedaço azul é o Presépio. O Homem é quem?

18/11/2008

Dança sem regresso

roda teus braços em arcos paralelos
e alternados movimentos circulares
e faz teu corpo gingar
num lento e sensual vai-e-vem
e balança, como barco num agitado cais
recolhe-te ao beijo da terra
e estende teu véu
esboça um botão de rosa
com tuas mãos em prece
e inclina teu busto
cesta de generosos frutos
esperado momento
e minha dança vai começar
em gestos, de movimentadas sombras,
que avançam e hesitam como labaredas,
chamas e fogo vivo
para me acender do teu olhar
e queimar no teu rosto
e derreter em ardentes lábios
meu corpo treme em arpejos
meus dedos deslizam ao teu redor
num magnético e quente halo
tocam cordas imaginárias como se fosses harpa
e ajoelho-me sobre ti,
as minhas mãos despertam
notas baixas dum piano de emoções
citaras e tambores ocupam os meus sentidos
e tudo se move à nossa volta
e acontecem tempestades de sons
e explodem estrelas de todas as cores
e o chão afundou-se numa espiral
e não tenho onde regressar

07/11/2008

o palhaço

Soa o apito! Já se adivinha quem vem a seguir.
Crianças felizes soltam gritos e risos ao vê-lo surgir.
Ao som da música, cantam com palmas cada refrão.
Assim conquista, para o meio da pista, seu coração.

- Meninos e meninas…! Meu nome é….Tra-pa-lhão!
Sou um Faz-Tudo, mas tudo, tudo me faz con-fu-são.

Conseguem imaginar um palhaço a voar?
Pois, isso aconteceu – com os tambores a rufar.
As luzes apagaram-se e todos se calaram.
Uma voz interrompe a escuridão:

- Sou um pirilampo as-tro_nau_ta!
Estou cá em cima para dar luz à mal_ta.

Com uma lanterna acesa, presa ao peito,
e ferramentas penduradas ao dispôr;
o palhaço deu um jeito em cada projector.
Ouviu-se um estrondo e uma explosão.
A luz, cheia de espanto, volta com aplausos da multidão.

Magia e surpresas nos bolsos sem fundo.
Fossem assim magos, os governantes do mundo.
Sorriso pintado, num olhar rasgado, longe da luz cruel,
arrancado às cerdas dum pincel.
O verdadeiro rosto, deposto, no espelho do camarim.
No melhor fato, feito com trapos, a ganga e o cetim.
Unidos, são remendos coloridos que dão tom à vida
e ao mundo da gente pequena e da gente crescida.

05/11/2008

Sobre viventes

Sobrevivem versos
de poemas esquecidos,
livres, à margem dos livros


Ressuscitam poetas
de motes vividos,

presos, dentro dos vivos

Nascem filósofos
de resumos lidos,
imunes, acima dos crivos

01/11/2008

Automatemático










Decomponho-me em fracções
Para me achar nas divisões
Quanto mais me divido
Mais complicado fico

Subtraio a raíz aos problemas
Multiplico as explicações
Busco os meus teoremas
Nas dúvidas e nas paixões

Elevo os sonhos acumulados
Sem limites de potência
Procuro ter todos os dados
Aplico o factor paciência