18/12/2008

À beira dum poema

As mãos secam
se os dedos mirrarem
Expontâneas heras,
bebem de outras mãos 
O pinheiro sedento
leva raízes até onde deixarem
O calor, que refaz o corpo
é química sem explicação
Num permeável instante
o momento infiltra-se na pele
e o tempo deixa de contar
O silêncio percorre o gesto
e a palavra divaga no olhar
O rio, as gaivotas e a cidade
pousam no fundo da retina
e pintam um novo tecto 
com tintas por inventar
Encontro de versos 
numa estrada de afectos
à beira dum poema

15/12/2008

Noites claras

Onde o Sol queima e cega
Dispo-me e fixo a Lua
Das sombras interpreto os gestos
Faço do grito alheio o meu silêncio
Calo a voz, defendo a canção
Dias de horas confusas
Desejadas noites de sonhos claros
Incoerente sobreposição
Rosto de impensáveis lugares
Repetidos passos, mesmas pedras da rua
Devagar, ignoro o que me espera
Buracos são vazios do tempo
Esqueci palavras, jamais o olhar
Duvido da minha presença
Estranho tua figura

06/12/2008

perto de ti, ...meu mar

Minha guerra é a tua
num palco diferente
feridas do mesmo lado
lutar e sofrer diáriamente
A meio caminho conquistado
por caminho divergente
questionar a mesma Lua
pela maré descontente
Só o dia conhece bem
como se faz cada hora
partilha-se com os deuses
o que não se vê por fora
Querer viver mais vezes
onde o sonho nos levar
viajar muito, e além,
deste sistema solar
Enquanto o Sol aquecer
e a Terra puder rodar
o meu lugar é este
perto de ti,…meu mar

03/12/2008

Encontro de gente com palavras



Ao encontro das palavras
nas páginas dum café
Um livro cheio de gente
em conversas de maré

Na pausa dum cigarro
um pouco mais de mim
Poetas de pés de barro
Num lago com jardim

Apresentações sucintas
Na poesia que sobeja
prosa de letras distintas
Mais um gole de cerveja
 
Quarenta prisioneiros
Amarrados a um cordel
Registo de versos inteiros
momentos feitos de mel

São veias descarnadas
de caudal transbordante
linhas ensanguentadas
com coração a montante

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Dedicado à minha amiga Paula Raposo a propósito dos dois livros editados há dias: " 22 olhares sobre 12 palavras" e "Golpe de Asa". Mais informação
clicaqui 

29/11/2008

O presépio

Longe vão os Dezembros… Num desafio de corrida, eu e os “meus amigos”, apetrechados com sachos e velhas facas rombas nos sacos, percorríamos os olivais até às matas à procura do melhor musgo (alto, viçoso, compacto e fofo) para o presépio. Havia entusiasmo e euforia logo nas primeiras combinações e, ainda mais, no passeio. Pelos carreiros e “caminhos de cabras”, partíamos determinados à descoberta dos melhores locais do nosso tesouro verde que, com mais olhos do que o espaço em casa, sempre nos sobrava.
O pinheiro, já cortado, tivera outros heróis. Alguém “mais velho” comandara a trupe por atalhos menos frequentados. Havia que ter cuidado e não sermos apanhados pelo dono ou alguém de guarda ao pinhal. Cada um escolhia o pinheiro do seu agrado e, pela socapa, a serrote e machado era cortado e levado de arrasto pelo tronco.
Bugalhos e bolas de papel embrulhados, em “pratas” coloridas - dos chocolates e dos maços de cigarros –, guardadas ao longo do ano dentro de livros, faziam parte da decoração do pinheiro de Natal. O seu efeito, embora de luz e cores menos vistosos, era para nós tão luminoso e igualmente mágico, como as lâmpadas e “bolas” de enfeitar, vendidas nas lojas e centros comerciais. Mais valor e brilho tinha o orgulho de as termos feito.
Num canto do chão da sala; sobre um tampo de madeira, platex ou cartão; sob o pinheiro, erguia-se o majestoso cenário. O improviso e imaginação projectavam montes, lagos espelhados e vales. Construíamos o estábulo com paus, cacos, caruma, palha e… sei lá que mais. As figuras tradicionais, pintadas sobre o barro cozido, tinham formas e cores dignas e colocadas nos seus lugares com papéis bem definidos. A neve de algodão; a água de espelhos; figurantes de cartão; bonecos de outra nação.
Uma estrela dourada orientava os Reis Magos ao seu destino, no trajecto que queríamos. Quando chegasse o momento, eles apareceriam e cada dia mais próximos do Menino. De terra e areia se faziam os caminhos. Aquele pedaço de chão verdejante era o Mundo, era Belém. Aquelas figuras de cartão e barro eram o Mundo, eram alguém.
O Menino cresceu e nós também. Alguém viu uma estrela? Onde estarão os Reis Magos? Dezembro está a chegar. Outros caminhos fazem o Mundo. Este pedaço azul é o Presépio. O Homem é quem?

18/11/2008

Dança sem regresso

roda teus braços em arcos paralelos
e alternados movimentos circulares
e faz teu corpo gingar
num lento e sensual vai-e-vem
e balança, como barco num agitado cais
recolhe-te ao beijo da terra
e estende teu véu
esboça um botão de rosa
com tuas mãos em prece
e inclina teu busto
cesta de generosos frutos
esperado momento
e minha dança vai começar
em gestos, de movimentadas sombras,
que avançam e hesitam como labaredas,
chamas e fogo vivo
para me acender do teu olhar
e queimar no teu rosto
e derreter em ardentes lábios
meu corpo treme em arpejos
meus dedos deslizam ao teu redor
num magnético e quente halo
tocam cordas imaginárias como se fosses harpa
e ajoelho-me sobre ti,
as minhas mãos despertam
notas baixas dum piano de emoções
citaras e tambores ocupam os meus sentidos
e tudo se move à nossa volta
e acontecem tempestades de sons
e explodem estrelas de todas as cores
e o chão afundou-se numa espiral
e não tenho onde regressar

07/11/2008

o palhaço

Soa o apito! Já se adivinha quem vem a seguir.
Crianças felizes soltam gritos e risos ao vê-lo surgir.
Ao som da música, cantam com palmas cada refrão.
Assim conquista, para o meio da pista, seu coração.

- Meninos e meninas…! Meu nome é….Tra-pa-lhão!
Sou um Faz-Tudo, mas tudo, tudo me faz con-fu-são.

Conseguem imaginar um palhaço a voar?
Pois, isso aconteceu – com os tambores a rufar.
As luzes apagaram-se e todos se calaram.
Uma voz interrompe a escuridão:

- Sou um pirilampo as-tro_nau_ta!
Estou cá em cima para dar luz à mal_ta.

Com uma lanterna acesa, presa ao peito,
e ferramentas penduradas ao dispôr;
o palhaço deu um jeito em cada projector.
Ouviu-se um estrondo e uma explosão.
A luz, cheia de espanto, volta com aplausos da multidão.

Magia e surpresas nos bolsos sem fundo.
Fossem assim magos, os governantes do mundo.
Sorriso pintado, num olhar rasgado, longe da luz cruel,
arrancado às cerdas dum pincel.
O verdadeiro rosto, deposto, no espelho do camarim.
No melhor fato, feito com trapos, a ganga e o cetim.
Unidos, são remendos coloridos que dão tom à vida
e ao mundo da gente pequena e da gente crescida.

05/11/2008

Sobre viventes

Sobrevivem versos
de poemas esquecidos,
livres, à margem dos livros


Ressuscitam poetas
de motes vividos,

presos, dentro dos vivos

Nascem filósofos
de resumos lidos,
imunes, acima dos crivos

01/11/2008

Automatemático










Decomponho-me em fracções
Para me achar nas divisões
Quanto mais me divido
Mais complicado fico

Subtraio a raíz aos problemas
Multiplico as explicações
Busco os meus teoremas
Nas dúvidas e nas paixões

Elevo os sonhos acumulados
Sem limites de potência
Procuro ter todos os dados
Aplico o factor paciência

31/10/2008

Nos meus elementos

Quero ser chuva
e percorrer teus íntimos regatos
e ser orvalho nos teus lábios

Quero ser terra

e ter o desenho dos teus passos
e ser cama nos teus cansaços

Quero ser fogo
e devorar-te numa chama lenta
e morrer nas tuas cinzas

Quero ser vento
e perder-me nos teus cabelos
e renascer nos teus braços

21/10/2008

A noite sendo













O dia muda de tom sem que eu nada, por mim, faça

os pássaros apressados em debandada, por cima dos telhados,
levam com eles os restos da cidade e do sol
pouca gente na rua e a que passa diminui
Correm mais os menos carros; os que abrandam e param
juntam-se aos demais a disputar o encosto do passeio;
mais deles, que dos passos
Fecham-se algumas janelas e caem, sobre elas, os estores.
Para fora, assunto encerrado.
Cá dentro, no meu convento, escrita adiada.
A noite devolve-me a dimensão das minhas inquietações...

18/10/2008

Codornizes com castanhas

Ingredientes (4p):
Codornizes: 12
Castanhas: 800 g
Bacon: 10 fatias
Pikles: 1 frasco peq.
Cerveja preta: 2 (x33cl)
Cenouras: .....2 médias
Cebolas:....... 3 "
Alhos:.......... 3 dentes médios
Tomilho:....... 2 colheres de chá
Margarina ou banha de porco: q.b.
Sal:.............. q.b.
Pimenta:....... q.b.
Preparos:
Fazer marinada com: cervejas, sal, os alhos moídos, pimenta e tomilho.
Mergulhar as codornizes na marinada, uma a uma, calcando-as bem de modo a "absorverem" o "molho". Devem nadar de 6 a 12 horas.
Mãos à obra:
Cortar as cebolas e as cenouras em rodelas finas.
Untar o tabuleiro com margarina ou banha (ou 50/50). Colocar as rodelas de cebola e de cenoura de modo a taparem o fundo e, por cima dispor as fatias de bacon.
Juntar as codornizes, abertas para cima, intercalando os pikles. Cobrir com as castanhas e regar com parte do "molho" da marinada. Levar ao forno (+180º), cerca de 1 hora e vigiar o molho e a assadura, com regas pontuais, utilizando o resto da marinada.
Escolha um bom vinho tinto e......... bom apetite.

16/10/2008

Livro de cabeceira

Alguém que te tangente
partirá numa aventura
dentro dessa capa dura
está o Sol em fase carente

Desfolhe com doçura
páginas de tinta recente
minha escrita complacente
com acentos de amargura

Não páres num resumo
nem nas notas de rodapé
no teu livro de maré
sublinhei frases de rumo

Noites brancas com café
dias negros à luz do fumo
tuas linhas foram meu prumo
deixei de escrever sem pé

Vê quem deitas à cabeceira
para te ler nas folhas nuas
se não te conhece as luas
vão dormir a noite inteira

14/10/2008

Foge

Foge
Força a chave
Fecha a porta por dentro
Fica deitada no teu canto a pensar
Faz de conta que lá fora faz mau tempo
Folheia mais uma vez esse "grande" livro de pó
Finge que te preocupas com todos e ninguém contigo
Fala do quanto lamentas as lágrimas que deixaste escapar
Ferve a água para o chá
de cidreira que te acalma
Fantasia mais e solta os desejos reprimidos
Ferida que mexes continua doendo
Fixa essas rugas precoces
Fecha a porta por fora
Falta amanhã
Foge

12/10/2008

Nunca te disse adeus

Não houve um adeus,
simplesmente, nunca parti
Para além do desejo,
resisto à crueldade do tempo
Vivo suspenso num beijo
Refaço-me, inteiro,
dos destroços que nunca abandonei
Teimoso mar de melancolia
Explicável vontade, repleta de sentidos,
justifica palavras e memórias intactas
capazes de te adivinharem na noite mais escura
Se a saudade corrói, tenho salitre na alma

Desanimados

03/10/2008

Hipotódromo da má língua

contributos para um hipotético acordo ortopédico da língua


Atmosfera: animal que polui o ar que respiramos
Arroto: o buraco na camada de ozono
Botão: urna de voto no Porto
Carrocel: mais conhecido por ramona
Engalinhar: optar por engenharia
Engraxar: dar graxa ao engenheiro
Esquerdista: o que se afasta mais à direita
Gangsterismo: psiconeurose relativa a gangas
Gerico: o que o pobre diz ao médico antes de passar receita
Genética: o que devíamos passar aos nossos filhos
Homérico: o que devia pagar a crise
Janotice: facto conhecido
N€urastenia: irritação provocada pela falta de euros
Paralelo: que se destina a indivíduo de etnia cigana
Petalismo: sistema que preconiza a mentira
Socioeconómico: parceiro que faz pouca despesa
Terracota: antiga localidade
Tortilha: ilha torta
xico: António Francisco
Transparente: transporte de família

02/10/2008

Fragilidades

O meu computador deve comer muito queijo porque, volta-e-meia e sem avisador, esquece o rato. Se vivesse apertado até o compreenderia - seria do calor - mas não tem falta espaço. Vive em banda larga. Não é asfixia.
Gostava saber e explicar a razão desta anomalia. Duma coisa estou certo: não é da energia que consome, embora mais cara, de toda a UE, não passa fome. Tenho alternativa? Será problema do cursor que vive, todo o ano a poemas e mágoa, pendurado no monitor de écran plano?

Os meus amigos entendidos nestas matérias dão palpites, porque andam ocupados, ou não atendem, porque ainda estão de férias. Não sendo barra em informática, sequer coisa alguma, pela lógica da matemática deduzo, das duas uma: ou é do hardware ou é do software. Nunca do operador!

Passaram três anos, é natural um certo desgaste mas não é assim tão velho que já mereça reforma. Não vou em cantigas e não o carrego com muita treta. Não o tenho de dieta mas abuso da Internet. Num momento, está bem; noutro, pego no rato e o cursor, feito jumento, não obedece. Por mais que faça ele não mexe. Se julga que é gente, está bem enganado, não vai a murro acaba desligado. Casmurro, tento um recurso, desligo-lhe o cabo - não preciso de curso em USB -, e, sem mais nem porquê, assim que o ligo, funciona. Problema de mona a afectar a memória local ou algum dano, de ataque Trojan, contra o sistema do Tio Sam. Quem sabe, talvez uma virose infiltrada no Spam do marketing global . Assim se vê a fragilidade do meu PC!

28/09/2008

Há dias assim

Toda a noite, o vento bateu forte na janela do meu quarto, insistoso, lutou raivoso com vontade de a arrancar. Embora preguiçoso, vi no relógio luminoso que era demasiado cedo para me levantar. Por vezes acalmava e, aí, eu voltava a adormecer.

De repente, um trovão fez o meu coração saltar. Acordei assustado. Decidido a pôr um fim aquele tormento, resigno-me sair da cama nesse momento. Esfrego os olhos remelados, ponho um pé no chão e, ainda os dois não estavam colados, sinto o tapete fugir. De braços esticados, agarrei-me ao candeeiro. Eu caio primeiro; ele, certeiro atinge-me na cabeça e fica aceso. Possesso com tal confusão, apoio uma mão na parede e outra na mesinha de cabeceira para me endireitar. O que aconteceu não sei explicar, fomos os dois ao soalho e no meio dum palavrão ouço o rádio tocar. Não fosse a dor na testa e, de novo, aquele (!) barulho dos estores, diria estar a acordar dum pesadelo dos piores. Levo as mãos ao cabelo e dois dedos mais atentos descobrem um galo (?!). “Era só o que me faltava”, pensei.

Inseguramente, fiquei mais de cinco minutos estendido, dorido e zamboado, meio dormente. Contrariado, fui de joelhos, ver-me ao espelho da casa de banho. O galo aumentara de tamanho. Com que cara vou hoje trabalhar? A custo, lá me lavei. Hesitei na camisa e mudei duas vezes de gravata, uma porque tinha um buraco e a nova uma nódoa. De fato cinzento a condizer com a minha pasta preta (e ocasião) pego nas chaves do carro e saio porta fora. Detesto o cheiro de cigarro no elevador. Saí no piso inferior e desço oito lanços de escadas. Para a garagem, não é meu hábito ir por ali; em vão procurei o botão da luz e catrapuz, bati com a cara num pilar e esmurrei o nariz. Falhei por um triz a minha viatura.

Depois desta aventura, acham que fui trabalhar? Contei metade da história, para abreviar. Ficou por dizer, desse dia sem memória, outras coisas por que passei: cortei-me com a lâmina de barbear; o carro esteve dois dias parado com as luzes ligadas, não funcionou; com falta de rede voltei a casa para avisar aos colegas, do meu atraso; subi dez lanços de noventa e tantos degraus (!).

Há dias maus? Molhado que nem um pinto já não sei o que sinto. Dos nervos e do cansaço também não sei o que faço. Uma coisa me corre bem: o suor, em bica, generoso onde cada poro contribui com mais de um pingo. De novo, com outro fato vestido, não me dou por vencido e faço a ligação, ouço uma gravação: “blá, blá…………os nossos serviços estão encerrados...blá, blá”. Com toda a calma do mundo (e arredores!!!), pouso o auscultador, subo os estores e vejo lá fora um dia de Verão e ligo o comando da televisão no canal habitual. A esta hora, desenhos animados? Alguma coisa deve estar mal. Após este meu triste relato, e para encher mais o prato do dia, uma má notícia: o Sporting perdeu com o Benfica. Bingo!!! Afinal, hoje é Domingo!!!

18/09/2008

30/07/2008

Aprender a fazer nós

Viver no lamento
Mata a nossa alegria
Alivia o sofrimento
Ver o nascer do dia

Cada um com sua cruz
Qual delas a mais pesada
Se o tamanho não reduz
Encurtemos a caminhada

Quanto maior é o percurso
Mais custa carregar
Procurar outro curso
Talvez possa aliviar

A própria Natureza
Nos dá boas lições
A água das represas
Escapa nas evaporações

Ninguém se gabe de amar
Sem nunca ter sofrido
Há caír e levantar
E o saber aprendido

O amor não se reclama
Nem se sujeita a nada
Só damos pela chama
Com a pele já queimada

Muitas estrelas tem o céu
Cada um procura a sua
Há a quem baste o que é seu
E quem dispute a Lua

A vida é uma montanha
Onde não chegamos sós
Com uma corda não é façanha
Se dos erros fizermos nós

__________

Pedro Arunca
2008-07-30

29/07/2008

Minha caravela


A lápis e pincel
fiz o meu primeiro barco
Numa folha de papel
fui Dias, Gama e Zarco

Linha curva na horizontal
e dois arcos inclinados
uniam outra linha igual
em ângulos calculados

Havia uma enorme vela
e um sol imponente
Da minha caravela
partia um palmo de gente

No porão cabiam os sonhos
e outras mil invenções
Não levava monstros medonhos
nem outras inquietações

A cruz dos Descobrimentos
pelo mar azul imaginado
Erguia monumentos
em cada porto alcançado

Das minhas viagens
só me lembro das partidas
e de fazer as ancoragens
nas histórias muito lidas

Os piratas ficavam nos livros
fechados a sete chaves
Os primatas davam gritos
Assustadas, fugiam as aves

Naquele pedaço de papel
cheio de côr, céu e mar
cabia o mundo nele
havia espaço para sonhar

______________
Pedro Arunca
2008-07-29

07/07/2008

Pilita

Rija enquanto durou
Agora, amolengou
Antes que a cobra morda
Vou atá-la numa corda
Pra na me fugir
Preciso da sacudiri
Leva tempo pá acordari
Já nem se sabe esticar
Más lenta cum caracoli
Enrola-se no mê lençoli
Ninguém a tira dali
Deu em perguiçar
Nada a faz levantar
Já não dá com o monti
Nem bebe água na fonti
Que bicho lhe mordeu?
Parece defunta que morreu
Deu-lhe pra enjoari
Nem lhe apeteci cheirar
Na juventude fazia inveja
Tinha más gás cuma cerveja
Sempre pronta pra brincar
Cu diga a minha Maria
Era nôte e era dia
Até as mulheres lá da vila
Marcavam lugar na fila
Para eu lhas mostrar
Uma moira a trabalhari
Motivo do mê orgulho
Fazia cá um barulho
Entrava pelos quintais
Espantava os animais
Eram duas, três e quatro
Da cozinha até ao quarto
E até debaixo da cama
A bicha tinha fama
Punha todo num alvoroço
Desde mê tempo de moço
A idade na perdoa
Levara um vida boa
Depois de tanto caçari
Merece descansar
Já contava mê avô:
“nenhuma rata me escapou”
Está no sangui das gerações
Nada de confusões
Esta história aqui escrita
É a da minha gata Pilita
_________
Pedro Arunca
2008-07-07

01/06/2008

A terra por cumprir

Homens nunca dantes governados
Soldados em guerras de água e sal
Marinheiros a custo forjados
Carregaram bandeira ocidental
Estranhos mapas revelados
Para muitos a viagem fatal
Novos impérios e desertos de fé
Brilho dourado e aromas de café


Mares de sonhos passados
Agulha louca de barco triste
Destinos para sempre cruzados
Imponente mastro que resiste
Lua furtiva em céu sem estrelas
Assobio do vento nas rotas velas
Ainda jorra sangue das veias
Há mais castelos nas areias


Terra firme de gente insegura
Velho porto de abrigo sem mar
Chama viva que perdura
Outros mundos por desenhar
Amolecer a côdea dura
Num hino por inventar
O horizonte não está perdido
Há futuro no desconhecido
_______
Pedro Arunca
2008-06-01

15/05/2008

Pequeno acidente de viação

Pela estrada de alcatrão,
vai um grande camião,
carregado com carvão
e, na sua direcção,
uma carroça em contra-mão.
Mas que grande confusão.
Um apita, o outro não.
Dá-se uma grande colisão.
Sem qualquer explicação
Juntou-se a multidão
que ficou sem reacção.
O motorista, vermelhão,
deu uma justificação:
- Alguém me deu um empurrão
e os meus pés não chegam ao chão.
O polícia, espertalhão,
fez-lhe o teste do balão e
chegou à seguinte conclusão:
- O culpado é este anão!
Os burros não se multam nem têm prisão.
Nisto, chega uma senhora de roupão:
- Sabes que horas são?
Arruma já os peluches do teu irmão
e veste o pijama azulão!
Quem é que fez mal ao cão?
- Eu não! Eu não!
Onde está o João?
- Mãe, sonhei que era policia. Acordei com um barulhão.
Vi bonecos a correr, numa grande aflição.
Assumi a minha posição
e fiz uma grande investigação. Imagine a situação:
o Bobi, amarrado ao triciclo, com um grande arranhão;
o mano - debaixo da cama - a queixar-se da mão,
foi apanhado a conduzir, sem carta de condução,
o andarilho sem travão.
Tomei uma decisão:
Chamei o 112 para o acidente de viação e libertei o cão...

10/05/2008

25/04/2008

Em Abril sonhos mil

Manifesto peitoral
Contra a evolução dos cravas
Oportunismo é fatal
Queremos um estado novo
Onde contem com a malta:
mais pessoas e menos "povo"
Paz, pão e educação
Analfabetismo nunca mais
Vida aos filhos da Nação
Deixem-nos livres para pensar
Viva a nossa reacção
É preciso despertar
Derrubemos a burocracia
Ergamos uma nova bandeira
Calemos a hipocrisia
A Terra a quem a respeita
Nela só há uma verdade:
não tem esquerda nem direita
Abaixo o comodismo
A memória a quem esquece
Morte ao conformismo
O poder a quem merece!

Abril

Bocas em surdina,
semeavam ideias.
Na lavra dos homens
a razão, clandestina.
As prisões cheias,
campo de reféns.
A monte, sem eira.
Noite companheira.
Na sombra dos livros,
ocultos perigos.
O poder, de uniforme,
governava a fome.
Canções caladas.
Poemas de alerta.
Palavras vigiadas.
O sol era quadrado.
Calava-se o poeta.
O cerco apertado.
No ponto de mira,
o destino africano.
Cada bala no cano,
uma vida que tira.
Luto nos pelotões.
O sangue nas fardas:
medalhas manchadas.
Cartas negras. Lições.
Mas a fé não abala.
Na aldeia e na sanzala,
reza-se pela mudança.
A paz tem muitas cores.
Nos quartéis de esperança.
Soldados em marcha,
empunham flores.
Derrubam as barreiras
e mudam as bandeiras.
Podemos falar.

__________
Pedro Arunca
2007/04/25

29/03/2008

Nosso caminho

A vida é o caminho que cada um faz
Percorremo-lo, uma vez, sem marcha-atrás
Por vezes íngreme, plano e de combros
Corremos, paramos e damos nossos tombos
Deixamos marcas que nos somam os anos
Movem-nos poucas certezas e mais enganos
Fixamos rostos. Uns marcamos e outros não
Sorrisos e memórias que cabem numa canção
Não importa o quanto mais longe chegamos
Mas sim o que aprendemos e deixamos
A todo o momento pudemos fazer por mudar

Abraçar mais e aplicar o verbo amar
_______
Pedro Arunca

2008/03/29

08/03/2008

Mulher

Mulher, de hoje e de sempre
Forte árvore, frágil semente
Gera, ama, ri, sofre e sente
Sentimentos que desperta
Nossa única morada certa
Sem ela, Terra deserta:

sem calor seria a vida
sem razão seria o amor
sem ardor seria a ferida
sem emoção seria a dor

Defini-la numa palavra, é pouco
Não a achamos num grito rouco
Talvez lhe agrade um poema louco
Ver seu nome numa canção
Subir ao céu num balão
Um gesto da nossa gratidão
________
Pedro Arunca
2008-03-08

15/02/2008

Latejo

Crescente desejo
Horas que são tuas
Na boca o beijo
De antigas ruas

Nunca falar
Do que despertas
Escrever e calar
Páginas desertas

Adivinhasses
Nada negava
Chamasses
Estava

Rio parado
Diques recentes
Corpo deitado
Não sentes

Nas veias o amor
Inundado coração
Sangue e calor
Latejar de emoção
_________
Pedro Arunca
2008/02/14

14/02/2008

S Valentim

Catorze de Fevereiro
Dia dos namorados
Pior do que solteiro
é ficar nos encalhados
Bombons e chocolates
com raminhos de flores
Frases nos escaparates
resumem os amores
Berloques e bugigangas
eternas recordações
Mimos são missangas
no colar das paixões
Muitos dias tem o ano
esquecidos dos festejos
Vamos corrigir o dano
Declaremo-nos com beijos
Cada um é jardineiro
do seu próprio jardim
O Amor sempre primeiro
Viva S. Valentim
________
Pedro Arunca
2008-02-14

13/02/2008

Os especialistas

São analistas e até consultores
Uns engenheiros, alguns doutores
Falam dos males e avisam os perigos
Vivem de avales mas acusam amigos
Falam de tudo, das coisas e de todos
Debitam palavras e sentenças a rodos
Discursam horas a fio, sem pausas
Descobrem a origem de todas as causas
Semeiam frases e ditos de outra lavra
Eruditos na dicção, na pose e na palavra
Falam da política, religião e de ciência
Só lhes falta um pouco de paciência
Há caminhos de pedras, marcados
e verdes de musgo, ignorados
Não pisaram a lama dos carreiros
Dos homens, dos bois e dos carneiros
Ressuscitam os mortos e enterram os vivos
Refugiam-se, fechados, em pilhas de livros
Comem fatias de pão descôdeado
Temperam tudo com sal refinado
Escrevem em todos os jornais
Só eles têm tempo para mais
Com tanta lucidez e tanto preceito
Não há quem ponha isto direito!
Tudo o que espirram tem nexo
Têm opinião, mas praticam sexo?
_________
Pedro Arunca
2008-02-13

09/02/2008

J' adore

A Ana, desafiou-me a enumerar e escrever sobre 6 coisas que eu adoro. Fiz a minha check-list. Escusado será pedirem-me para escrever sobre aquilo de que eu mais adoro (reservo algumas no segredo dos meus neurónios), mas não vou mentir sobre estas:

1 - Banho de imersão às escuras, com boa música a preencher os intervalos do "chap-chap".
2 - Ilhas e praias pouco frequentadas. Nalgumas horas do dia ou a qualquer hora da noite.

3 - Comer bem e beber melhor, na companhia dos amigos. Misturas: só as evito nas bebidas.
4 - Ler um livro ou ver um filme que me desperte mais alegria, reforce o gosto pela vida e pelas pessoas e desafie a minha imaginação.
5 - Sexo: calado, murmurado, falado e escrito; sem hora e lugar marcado, mas sempre acompanhado. Tenho um postura, nem sempre firme, porque entendo que cada um defenda a sua posição. Não esqueçamos que todas as posições têm as suas virtudes e o seu ponto de vista. Precisamos de ter e mente e o corpo abertos à imaginação e à criatividade. Cada qual com os seus argumentos. Ou há sexocracia ou ninguém come. Existem muitas formas de ter sussexo na vida. Dura lex non latex.
6 - Rir. O riso não tem que morar longe do siso. Podem e devem partilhar a mesma cabeça, cuja sentença deve ser coerente e verdadeira com o espírito da coisa e do coiso ( porque não?).

Como começa a ser meu costume, não nomeio a passagem do testemunho. Quem sentir que tem algo a dizer e se queira atrever a pegar-lhe, faça o favor. Um pedido lhe deixo: deixe aqui essa intenção para eu e outros passarmos por lá. Pense, abra-se e dê-se. Dar não é perder.

28/01/2008

Poema alentejano

Andava passeando
encontréi o mê amori
Pus-me estressando
Tal era o mê calori
Tropecei num caracóli
Fui c'as bentas ao chão
Estendido ali ao sóli
Pedi logo a sua mão
A moça tod'encarnada
disse qu´eu era louco
dê-me uma estalada
e disse qu'era pouco
Mas a cousa piorou
quando ma declarei
Disse-lhe tudo o que sou
e ali mesmo m' atirei
Home de poucas letras
mostrei minhas virtudes
Na me fio cá em tretas
Assumi as atitudes
Levei mais um murro
vi mas de mil estrelas
Mais esperto é mê burro
que sabe escolhe-las
na se mete nas encrecas
e está sempre a comer
Más tardi cand'acordei
ca barriga a dar horas
lá m'alevantei
dorido e com demoras
Nã sê se foi do tinto
ou talvez das chouriças
Fora compadre Jacinto
que m'arreara nas bêças
_______
Pedro Arunca
2008/01/28

23/01/2008

Há mulheres...

... charmosas, radiantes e até perfumadas;
... tímidas, furtivas e até ousadas;
... frágeis, atrevidas e até magoadas;
... corajosas, impulsivas e até apagadas;
... ambiciosas, dinâmicas e até realizadas;
... decididas, sensíveis e até desesperadas;
... cultas, atentas e até abandonadas;
... modelo, sexy e até ignoradas;
... comuns, discretas e até amadas;
... filhas, mães e até educadas;
... felizes, solteiras e até casadas;
... faladoras, de burca e até caladas;
... vaidosas, convencidas e até adoradas;
... de ninguém, viúvas e até desejadas;
... negras, claras e até pintadas;
... famintas, satisfeitas e até conformadas;
... honestas, fiéis e até enganadas;
... virgens, prostitutas e até frustradas;
... sortudas, ricas e até azaradas;
... livres, trabalhadoras e até ocupadas;
... submissas, autoritárias e até mandadas;
... doentes, drogadas e até recuperadas;
... polícia, presas e até vigiadas;
...-a-dias, noctívagas e até contratadas;
... palhaço, artistas e até choradas;
... soldado, poetisas e até acantonadas;
... serenas, activas e até revoltadas
... cantoras, desconhecidas até cantadas;
... santas, mártir e até endeusadas;
... bruxas, crentes e até enfeitiçadas;
... históricas, dramáticas e até injustiçadas
... tristes, alegres e até apaixonadas;
... esposas, amantes e até enamoradas…

_______
Pedro Arunca
2008/01/23

21/01/2008


Segunda-feira

Abrir os olhos no escuro
Consentir uns minutos
ao calor dos lençóis
Um duche apressado
Fica o espelho embaciado

Ver o tempo na janela
e os minutos contados
Vestir a pele do dia
para voltar à corrida
na maratona da vida

O café da manhã
mexido com sono
Tomar com coragem
as notícias dos jornais
São amargas demais

Rotina de cumprimentos
Nos rostos de sempre
caras de poucos amigos
O relógio fica lento
Ao salário sobra tempo

_______
Pedro Arunca
2008/01/21

12/01/2008

Hoje vou sair


Hoje não é um dia especial, sequer um dia diferente
Um dia normal, como para muita gente.
Não te telefono nem mando mensagens
Fico no meu canto. Talvez leia um livro ou escreva uns versos.

Hoje não ligo para ninguém!

Falámos há dois anos, era Natal. Muito tempo para quem não esquece.

São longos os dias de Inverno. Só a esperança me aquece.
Devo ter paciência de santo para esperar por ti, sem qualquer sinal.

Também as árvores o fazem com as aves que partiram e a Primavera ainda vem longe.

Hoje não ligo para ninguém!

Não resisto à tentação de abrir o álbum de fotos que restou.

Um sentimento estranho apodera-se de mim.
Estou diferente mas algo, que não vejo, permanece.
Aquela t-shirt azul que me ofereceste, ainda a tenho.

Usei-a no Verão que passou.

Hoje não ligo para ninguém!

Liguei o computador e fiz um poema.
Vou sair esta noite. Minhas saídas são poucas.
Quero esquecer o amor no barulho e nas luzes num bar das docas.


Hoje não ligo para ninguém!

__________
Pedro Arunca
2008-01-12

09/01/2008

Há poemas que...

Avivam memórias
Falam de aventuras
Contam histórias
Lembram amarguras

Relatam viagens
Fazem canção
Evocam coragem
Ensinam lição

Agitam as emoções
Espantam a solidão
Tocam os corações
Morrem de paixão

Cantam seus heróis
Adoram os astros
Seguem os girassóis
Enchem repastos

Embalam o sono
Despertam o amor
Resumem o sonho
Recordam o sabor

Vingam o ódio
Falam de Deus
Calam o Demónio
Invocam Zeus

Rodam com alegria
Revelam desejos
Agradecem o dia
Descrevem os beijos

Rimam nas feiras
Alimentam raízes
Ganham bandeiras
São hinos de países

Gritam de revolta
Choram a tristeza
Vivem sob escolta
Procuram a certeza

Pisam o palco
Marcham na rua
Apelam a algo
Lutam pela Lua

Cavam fundo
Lançam semente
Mudam o Mundo
Acordam gente
_______
Pedro Arunca
2008-01-09

08/01/2008

Poema do desafio

O Art of Love*, do "Se eu blogo logo existo..." presenteou-me com este desafio: pegar nos meus dez últimos títulos aqui publicados e a escrever um texto coerente. Como navego (sem carta e à deriva) no mar da poesia, cá vai:

Percorri os dias, afoito
Com planos já no ar
No calendário “2008”
Escrevi “Viver o Mar”
Tinha eu terminado
Num dia de “Céu cinzento”
”Teu poema inacabado”
Foram versos do momento
Reli “ O Natal em nós”
Promessas por cumprir
São como rios sem foz
Viajar não é “Partir”
Gosto de “Semear palavras”
Nas leiras com um fio
Dar de comer às cabras
É esse o meu “Desafio”
Recuso “Cartas viciadas”
Nestes tempos conturbados
Moedas e caras apagadas
Prefiro lançar os dardos
Há um tempo para tudo
E um dia para todos
Sabe bem o do Entrudo
Dão vinho aos bobos
Bebem e ressacam
Tomara que fosse água
Nem os santos escapam
Alegria após a mágoa
Poupariam o vizinho
E muitos trambolhões
Viva o nosso "S.Martinho"
E todos os santos foliões
_______
Pedro Arunca
2008/01/08

* Desculpa-me não passar o desafio. Quem por aqui passar e o ler que aceite se for vontade sua e, já agora, manifeste-o nos Comentários. Obrigado
Pedro